04 julho 2006

Não te faço rir,

eu sei, há muito tempo que perdi a expressão alargada do meu rosto, e hoje limito-me a viver dos poucos traços que ainda guardo. Pequenos esgares que nem sequer são de alegria, olhos em arco, as faces pálidas caídas, a solidão que em frente ao espelho me incomoda. E, no entanto, sou a mesma. Sempre a mesma. Procuro-me em outras, mas não passa de ilusão. Sou sempre a mesma. A mesma pele que me serve serve às outras. Nenhuma de nós é plasma, temos nome, o mesmo nome para todas. Da substância, porém, não sei dizer. Não somos todas da mesma.

Desde que vi

a cara dela numa revista duvidosa que a sua escrita deixou de ter aquele impacto. Hoje, considero-a até banal, sem importância, uma escrita construída de rajada, mas nem por isso genuína.
Há muito tempo que não mostro a minha cara
duvidosa?
na revista. E, no entanto, a minha escrita já não tem aquele impacto. Considero-a até banal, sem importância, construída sobre a ânsia de dizer, e afinal amordaçada.

É claro

que ainda posso permanecer. Mudar de ideias, fazer-te rir. Boiar outra vez no néon, outra vez ser de plasma resguardando a pele em corpo seguro, estatelar-me no écran ao comprido, deitar-me, dormir, escrever sem pensar, inventar personagens que depois posso enfiar outra vez num hospital de malucos, convidar o Miguel Bombarda para beber um copo de letras comigo, sair com o Gonçalo, telefonar à Joana. Passo depressas pelas estações, mas posso fazê-las durar nos meus dedos para que se derramem nas teclas as vezes que forem precisas. Ou, simplesmente, as que me apetecer. E a ti? Depois disto tudo, continua a apetecer-te a leveza e o riso? Se quiseres, posso escrever.

Qualquer coisa

mas leve. Das que te fazem rir, foi o que disseste? Sabes, não sei se ainda sei escrever coisas dessas, ou sequer se me apetece escrever coisas dessas, coisas que te façam rir, que te deixem leve ou com vontade de ler-me. Passou tanto tempo, sobretudo mudou tanta coisa, e tu sabes como sou rápida a atravessar as estações, como passo a correr de umas para as outras, como me canso sempre que me demoro mais do que a conta, aborrecem-me as repetições, as reposições, o resgatar das palavras que já foram escritas. Além disso, cada vez me convenço mais de que os blogs
estás muito enganada, isto não é um blog!
cada vez me convenço mais de que os blogs mais não são do que espelhos onde queremos que os outros nos vejam maiores do que somos, onde espetamos com as nossas vaidades e onde pômos o ego a boiar em néon para que os outros nos venham «espiar» e, idealmente, admirar, bajular, encher-nos as caixas de comentários com senso comum e considerações miseráveis. Pois foi, é verdade, também eu caí nessa asneira, também eu cedi à tentação de pôr a escrita a boiar no néon, tipo isca, tipo deixa lá ver quem é que aparece e o que é que diz, pode ser que haja para aí alguém interessante, alguém para quem as palavras façam mais do que só o sentido que lhes quero dar, uma espécie de eco, ou de retorno, talvez até fosse mais o retorno aquilo que esperava, mas que disparate, como se as presenças do lado de lá me garantissem alguma coisa, como se fosse preciso andar a medir o impacto das minhas metáforas pela bitola dos outros.
Sim, divertia-me, durante uns meses divertia-me à brava, sobretudo à custa de uma ou outra ressabiada, isso foi giro, medir até que ponto o néon se presta ao verter de azedumes, de invejas, de raivas, mas tudo isso, ultimamente, foi ficando para trás. A minha vidinha, o escanzelado de merda, os comentários anónimos, o palhaço singelo, o plasma e a pele, a minha mãe... Não digo que estejam mortos e enterrados, mas olho para eles e vejo-os tão pálidos, os contornos do que quis que fossem esvaídos, nenhuma coisa que me pareça importante ir recuperar. Desculpa, por isso, se não te faço rir, se são de vidro - e de outras substâncias anónimas - as palavras que tenho guardadas dentro de mim. E que já não partilho.

Escreve aí qualquer coisa

mas leve, do género daquelas que costumavas escrever quando este blog
isto não é um blog!
nos fazia rir.