21 julho 2008

Na minha vida real

ele sai de casa em setembro.
acho que já tinha escrito, mas por alguma razão precisei de escrever outra vez.

e de mim? sairá quando?

Volto uma e outra e outra

vez, mas venho à pressa.
(se me debruçar demais, caio da janela)

20 julho 2008

Na vida real

anoitece.
e à medida que as sombras avançam, o desamor prenuncia-se em nós.
por que será, nesse caso, que à noite na cama te pronuncio ao ouvido palavras de amor?

19 julho 2008

Na vida real

ele sai de casa em setembro.
mas já que aqui dentro sou muito mais dada a vidinhas, em vez de me expor passo à frente.
e vejo-me já muito depois de ele ter saído e eu livre. provavelmente, amando de novo.

30 abril 2008

O que é que vale

nesse caso?
como é que se aufere a qualidade da escrita?
é o dom, é o fôlego, o plágio, a paciência, a figura de estilo, a voz própria?
- A voz própria?
- Não sei.
Não sei se algum dia escrevo o romance
- Tenho a certeza que sim
não tenho a certeza de me ter estruturado para tanto.
de ter fôlego, dom, coragem, paciência.

acho que é jeito, só isso.
tenho jeito para a escrita.
até quando?

Como se cada bocado de escrita

valesse por si e não vale, sei isso tão bem!

Se algum dia vieres aqui dar

por acaso
e fores lendo o que escrevo
não tires conclusões.
aqui dentro, nada parece o que é.
a ti vejo-te de outra janela, não desta, que chega a ser pequena para nós
esta aqui
abrindo-se à escrita e aos sonhos
voando no vidro
rectangular e pequena.

não era bem isto, mas pronto.
passo ao post seguinte.

Faço o que quero

quando escrevo. vou onde quero ir, onde não quero, saio de onde estou, fico mais leve.
quando me espraio à tona do vidro, o tejo fica mais perto.
por isso ainda estou lá, contigo na margem do rio há vinte anos atrás.
talvez o princípio afinal não passe daí.
qual egipto, suméria, qual quê.
não te matei coisa nenhuma, nem sequer te vi antes na índia
- Nunca lá estive
não somos nada um ao outro,
parece.

E se eu te dissesse

que apesar dessa tua magreza, desse nada que és, ainda mexes comigo?
se te contasse que há pouco
ao almoço, quase no fim
me apeteceu dar-te um beijo na boca só para ver ao que sabia.
sabia-me a pouco
isso sei eu!
mas tinha gostado na mesma
sobretudo de termos tido outra vida
eu e tu
tu e eu
em vez de nada uma história
a constelação do amor no nosso mapa composto
não serias seguramente tão magro
e eu, provavelmente, também não seria quem sou,
- Sophia?
mas uma Vanessa da vida a definhar ao bolor.

Desculpa, Sophia,

mas afinal ficas cá.
preciso de ti à tona do vidro, não vale a pena arriscar dar-te corpo, vestir-te, emprestar-te o perfume e ainda ter de te ver a pôr rímel, bâton, essas coisas.
há dias em que és um fardo, percebes?
e, para pesos, chegam-me os meus.

29 abril 2008

Hesito se a levo

comigo amanhã.
Coitada, já sofreu tanto!

Ainda não tirei

da cabeça a ideia de um princípe à espera que eu chegue.
Mesmo que não acredites, ele espera-me algures.
Já o despojei do cavalo, dos adereços, do manto de glória e da espada, dos olhos azuis como o mar, dos cabelos, agora invento-o sem nada.
Não há expectativas, portanto.
E isso assegura-me a calma de que preciso para o descobrir.
Não será, seguramente, amanhã ao almoço, está descansada.
- O Vasquinho o teu príncipe?
Não faltava mais nada, coitado.

Ela volta,

um dia ela volta, assim como as fadas voltaram depois de me terem deixado perdida na ilha, nesses anos não convidava o Vasquinho para nada, sonhava apenas com ele
era tudo.
Já muito magro, remoendo ele também a vidinha de merda que lhe coubera em sorte, agarrado à Vanessa, ao bolor de Colares e a toda uma série de insignificâncias, um escanzeladinho de nada a dar-se ares de alquimista e eu a cair na conversa, meu deus.
A minha alma gémea, como é que é possível?
- Não é.
Levei-o para a ilha comigo e todas as noites sonhava com ele. Sonhava com ele todas as noites mesmo antes da ilha, antes de tudo, antes de o mundo ser mundo, daí a sensação de podermos ser almas gémeas, talvez, por mais absurdo que isso agora me possa parecer...
- Absurdo?
Absurdo! Isso e o resto. O almoço com vista para o rio, a Vanessa, o bolor, a facilidade com que ele desfazia as constelações e me apontava os planetas, os dois deitados na margem do tejo, a serra de sintra, o brilho nos olhos quando não eram magros, ou terão sempre sido e nunca o quis ver?

Ou isso.

Também pode ser isso.
Não escrever nada, estar à janela por estar, chamar-me Sophia e desenrolar por aí fora a minha vidinha às vizinhas
- Por falar nisso, onde é que elas andam?
- Não sei.
Nunca mais soube nada dos namoridos, da catarina, e de todas as outras que gerem vidinhas como, afinal, eu giro a minha
- Sophia, não é?
Sophia. Isso mesmo.
- Muito prazer.
Às vezes, invejo-lhe o plasma. A facilidade com que faz e desfaz considerações, amizades, a inconsistência dos traços, a fragilidade das medidas que encontra para justificar alguns dos seus actos. Invejo-lhe o tom, fútil e leve, o sentido de humor, a ignorância, o orgulho.
Eu sou muito mais pele, atrevo-me a menos.
Além disso, não sou como ela. Não gosto de expor-me ao ridículo, ao gosto dos outros, às pretensões, à inveja, às vidinhas, no fundo, que encontrei tantas vezes escorrendo da tinta, enchendo janelas, desfiando proezas, rotinas, actos caseiros sem nada de heróico, arrotando sentenças, ou despejando chavões e eu disso não gosto, sabe-me a pouco.
Já à Sophia, sabe-lhe ao suficiente para poder sustentar a sua própria vidinha.
As suas próprias proezas, rotinas ou actos caseiros, as suas sentenças, os seus chavõezinhos.
Por isso, querida, bem haja. Volte là sua vidinha que bem a merece.
- Hei-de voltar, obrigada.

Ou simplesmente voltar

à minha mãe,
que está no Brasil, imaginem!
à mãe que arrasto comigo esteja onde estiver para dentro da escrita e a quem faço maldades, porquê?
- Porquê, minha filha?
lá está ela,
afinal não sou eu.
onde quer que esteja está sempre comigo, dentro de mim, fora de mim, comigo nos braços, protege-me e ao mesmo tempo provoca-me, engorda, sei muito bem que passa a vida a comer às escondidas, abraça-me, beija-me
ainda lhe caibo nos braços
irrita-me,
velha, curvada, sempre com dores, com a caixinha dos comprimidos atrás
maravilhosa e atenta
seguramente o mais generoso dos seres
controladora
armada em vítima
que tal voltar lá?
à minha mãe sem dois lados, única, inteira, sem lhe infligir mais maldades, apenas beijos e mimo, que bom seria se conseguisse unir os dois lados das coisas
os bons e os maus
e perceber que não somos seres divididos
ou somos?

Faz-lhes bem

ficarem a arejar à tona do vidro enquanto ponho os dedos a jeito.
não é isso escrever?
pôr as palavras ao vento ao mesmo tempo que lhes invento uma rota de voo?
não sei...
nesta janela posso ser o que quero.
o que não quero que me vejam a ser.
o que sou.
escrever só por escrever.
- O teu romance vai ter de esperar.
posso abri-la, fechá-la, esconder-me atrás dos postigos, plantar flores nos beirais, inventar precipícios para a rua, debruçar-me, cair
se for caso disso e não houver tempo
talento
se for caso disso ou se sentir vontade posso atirar-me
morrer.
sempre morrer.
se fizesse uma pesquisa por verbos, seguramente
morrer
era o que apareceria mais vezes.
morrer só por morrer.
só porque sim.
pelo sabor, pelo medo
por ti.

Ontem,

foi ontem?
abri a janela, já não o fazia desde dezembro
- Este ano, o natal foi horrível, não foi?
e apeteceu-me escrever:
«todos os dias acordo e vou para a guerra»,
mas não cheguei a escrever, não assim.
hoje abri-a de novo e o que me apetece escrever já não é nada disto, ainda bem
espanto-me que continue a abrir a janela, que não é nada do que já foi,
vidro,
vidinha,
substâncias e pele
e lembro-me então que foi ontem que convidei o Vasquinho para almoçar,
- Já não nos vemos há séculos!
tenho além disso tido outras coisas com que ocupar-me.
livros, filhos, desenhos, pessoas, angústias, projectos.
sabe-me bem a liberdade de poder dispor do meu tempo, mesmo quando este passa a correr não me deixando livre para nada.
pois foi.
falei ao Vasquinho,
não ao dos sonhos, ao outro
ao magrinho
- Lembras-te? Chamavas-lhe o escanzelado de merda!
noto que me faz falta a janela, afinal faz-me falta a janela, preciso da escrita, o natal foi horrível e em dezembro chorei praticamente todos os dias.
ontem falei ao Vasquinho e sugeri-lhe um restaurante com vista para o rio.
hoje abri a janela e pus finalmente as palavras a arejar.