28 abril 2006

Era muito mais divertido

quando ficava à janela a ver-te passar, ou mesmo quando ficava do lado de dentro, ao teu lado, e te seguia à medida que ias jorrando dos dedos os teus disparates, alguns faziam-me rir, outros nem tanto, mas sempre era melhor do que agora, eu ao teu lado e tu quieta, muito mais quieta, muito mais triste, eu do lado de dentro das tuas mãos e a vê-las tremer, desistir. Ou então à janela. Eu amparando o teu corpo dobrado, as portadas fechadas, a rua onde já não passa ninguém, talvez me morras nos braços um destes dias e tenha de ir enterrar-te junto dos pássaros, lembras-te? Talvez um destes dias te agarre nas mãos e repare que já não sabem voar. Poderei nessa altura passar outra vez para o teu lado de dentro e de novo abrir a janela, quem sabe sorrir, ver passar as pessoas, as letras, um rumor de palavras calcorreando os passeios e a memória da tua voz seguindo-lhe o rasto, ou não fosse a morte a metáfora perfeita dos dias que ainda nos faltam cumprir.

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