04 maio 2006
03 maio 2006
Fomos ganhando a distância
dos corpos primeiro, cada um a cada dia mais longe do outro, abrindo os braços, as mãos e os olhos na direcção oposta do outro, procurando o lugar onde o outro não estava, onde não podia chegar ou voltar a caber, onde o tamanho de dois se tornava risível e cada vez mais desproporcional ao amor. Uma vez estabelecidos os territórios da pele e as respectivas fronteiras, alargámos o intervalo entre as almas até ao abismo que vês. Agora, para me tocares ou, simplesmente, para me quereres outra vez, tens de atirar-te e cair. Provavelmente, morrer.
A seguir
morro-te eu. Devagarinho, prometo. Quando acabar, guardo-te perto dos búzios - a não ser que me digas que preferes os lírios de cera, as orquídeas, as coroas de cemitério ou outro disparate qualquer das mortes a sério.
Insiste
que o tempo da colheita há-de chegar finalmente. Repara como o verão se aproxima, sente-lhe a arte, se fores capaz toma-lhe o pulso, segura-o. Pouco importa se são frutos ou almas o que vais trazer do pomar, se é voz se silêncio o que te nasce no peito, doendo. Sobretudo, não contes as ilusões que te distraem desde o outono passado. Enquanto não davas por isso, as estações amadureceram -te e envelheceste . Não é motivo para alarme, não são as rugas que te vão tolher os dedos para já, mas estamos em Maio e urge usá-los antes que caiam das árvores - ou que apodreças.
A voz dele
não devoluta, sem ser rouca e sem estar presa, nenhum arquétipo de som desabando atrás do vento, nenhum pranto de vertigem, nenhum grito de vazante, nenhum halo de precipício, nenhum trago de maré, nenhum espasmo de veneno. A voz dele no timbre manso e eterno das estações que o amor devolve em dobro aos heróis das grandes causas, a viola recuperada, o piano recomposto, os olhos verdes pela frincha entreaberta das palavras que ficaram por reter e as flores já recuperadas, afinal não tinham sede, não chegaram a murchar, eram brancas, eram doces e a voz dele
até que a morte nos separe
repetindo a promessa e o amor para além do tempo e da tragédia.
até que a morte nos separe
repetindo a promessa e o amor para além do tempo e da tragédia.
Que diferença faz
afinal? Que sentido? Aberta ou fechada, a minha janela dá para um imenso vazio, nenhuma paisagem à frente dos olhos que valha a pena reter, considerar, repetir.
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