08 maio 2009

Ou então isso

que não é nada.

Ou então de ficar

para sempre
dentro do meu rectângulo de vidro onde a escrita não passa de uma golfada de ar denso.
onde o amor não circula e me contenho com medo de que me falte o dom e o fôlego.

Roubo mortes

aos que estão vivos e de repente a ideia do livro parece-me absurda. há dias em que não acredito que faça sentido, depois de anos a achar que era precisamente o contrário. mas, hoje, e já depois de várias conversas, percebo que cada dor é tão própria que temo que não sirva de exemplo, que depois de expelida pouco mais seja do que um sopro de sal condensado em palavras e que não se dê o contágio de esperança que sempre previ, que não se universalize o alento que cada um, à sua maneira, encontrou, que não exista, afinal, globalização para o alívio, que o sentido da perda não se revele transversal.
tenho, por isso, vontade de pôr a morte de lado e de me render ao romance das mães.

05 maio 2009

Confessa:

que tens saudades da tua vidinha de merda a boiar à janela e a irritar as vizinhas
que o néon te torna ainda mais parva
que gostas do plasma colado à polpa dos dedos
que disparas às cegas e, muitas vezes, nem sabes porquê
que o escanzelado de merda é só isso: um escanzelado de merda e mais nada
que hoje apanhaste mais sol do que era suposto e que escaldaste os miolos
que os rectângulos e as substâncias anónimas te apavoram de morte e que é por isso que foges
que há dias em que tens muito pouca paciência para as quatro crianças que, neste momento, berram lá fora e que te roubam à escrita
que te chamas Inês e que a Sophia morreu há que tempos

E mais logo?

mais logo, talvez.
mais logo, mais longe, mais nós que desato, que também é para isso que servem os dedos
e nós,
como bem sabes,
ficámos tão longe um do outro que agora é inútil esperar pela noite.
adensa-se o escuro, no teu peito, no meu, respiramos a custo, não notas?
o ar segue rotas diferentes e eu caminho para sul, rumo ao calor.
somos dois hemisférios sem norte, dois corpos sem tempo, mais logo será muito tarde
e terei deixado de amar-te
não vês?

E mais quê?

Por ora, mais nada.

De vez em quando,

há qualquer coisa que me faz regressar ao rectângulo e hoje foi o mar.
agora que já não me escondo, bate-me em cheio e já não me magoa.
tão pouco disfarço a penugem de sal sobre os olhos e deixo-os assim, a arder por debaixo das pálpebras, cegos de azul, imunes às sombras que pairam cá dentro, já não me ameaçam,
de vez em quando é assim.
regresso ao rectângulo e transporto comigo palavras às quais
já deixei de dar importância.
sou muito mais livre.