11 abril 2007

Fizemos as pazes,

ontem, comigo ainda sentada na beira da cama, subitamente aterrorizada com a imagem da minha mãe a gelar, ocorreu-me que um dia vai morrer de verdade e senti esse frio colado ao meu corpo, antecipei a sua ausência e o mundo pareceu-me vazio de repente, peguei-lhe na mão, chamei-a de novo
mãe
e ela acordou, não totalmente, mas o suficiente para me ver através da sesta da tarde e para acertar no meu nome
sophia
para me sorrir e me pedir para lhe contar uma história
uma da ana isabel
achei tanta graça! A minha mãe a pedir-me para lhe contar uma história da ana isabel como se fosse uma das minhas filhas pequenas à beira do sono da noite
era uma vez uma menina chamada ana isabel
diga que ela fazia muitos disparates, mãe, diga
A minha mãe a pedir-me uma história da ana isabel com medo, talvez, que a minha mão possa largá-la e fugir, que a minha voz possa fugir e largá-la, que me levante da beira da cama e que não volte mais ao seu quarto e muito menos ao sono da sesta
era uma vez uma menina chamada ana isabel
Que disparate tão grande andar por aí a dizer que estou há que tempos à espera que morra como se a minha mãe fosse um monstro qualquer que me encheu a infância de pesadelos e de medos
diga, mãe, diga
era uma vez uma menina que se chamava ana isabel e que fazia muiiiiiitoooos disparates
Era uma vez uma menina que se chamava Sophia e que tinha medo do escuro e da noite e do caminho esguio que a trouxera de novo para o mundo e para a vida. Era uma vez uma menina chamada Sophia que nasceu roxa e que todos pensaram que estava morta e que só respirou quando sentiu que não era exequível morrer sem tomar banhos de mar, sem provar a lua ao relento no campo, sem recriar as paisagens à sua maneira, à sua medida
era uma vez uma menina que se chamava sophia
Foi isso, fizemos as pazes, mas acabei por não lhe contar uma história da ana isabel, os olhos dela cairam no sono, tremeram um pouco e percebi que sonhavam.
Era uma vez uma menina que se chamava Sophia e que foi minha filha. Apesar de não a ter tido nos braços mais do que uns escassos minutos
- Assim que nasceste, levaram-te, estavas azul, todos pensavam que estavas morta e era urgente reanimarem-te.
Era uma vez uma menina que se chamava Sophia e que foi minha filha e que morreu assim que saiu do meu corpo.
- Nunca soube gerir essa dor, nunca soube curar o vazio que me deixaste nos braços, onde estiveste pousada apenas uns escassos minutos, até que alguém te levou para longe e para sempre, porquê?
Percebo-lhe o sono agitado, o sonho que a enche de medo e dou-lhe um beijo na testa, largo-lhe a mão devagar, saio do quarto
adeus mãe
Ainda bem que fizemos as pazes a tempo.

1 comentário:

mãe disse...

és louca! és completamente chanfrada!