04 julho 2005

Nós as três,

a certa altura, eramos assim uma espécie de santíssima trindade. Não uma santíssima trindade em cruz, a fazer lembrar milagres, mas talvez uma santíssima trindade abençoada, pela maneira como os eixos da amizade encaixavam uns nos outros, dando-nos a medida exacta da geometria dos afectos.
Acho que foi o deserto, e a maneira destemida como galgávamos os precipícios - a cantar o trem das onze- o que acabou por nos unir. Não que não fossemos já amigas antes disso, mas há qualquer coisa no deserto que faz com que quem passa por lá não se esqueça nunca mais da cor das dunas, à tardinha, ou do céu iluminado por mil estrelas de algodão, levíssimas como as almas quando se sentem felizes, o que era precisamente o nosso caso.
Trazíamos de trás as nossas histórias, como é óbvio, mas parecia que a vida nos juntava às três num só caminho e que nos seria admitido percorrê-lo sem desvios. Ou seja, parecia, nessa altura, que mesmo que uma de nós tomasse um atalho em vez da estrada principal, logo, logo voltaria a encontrar as outras duas numa esquina.
Afinal, não foi assim que aconteceu. Cada uma pelos seus motivos e fomos deixando o deserto para trás. Ele persiste, no entanto, dourado e deslumbrante, no seu lugar de sempre. As dunas, a magia, os precipícios, o sol a deslizar por nós abaixo ao fim da tarde, as velas e o lago e o céu iluminado por mil estrelas de algodão e até a felicidade ainda lá estão, tenho a certeza. Basta retomar a caminhada e ir dar à esquina certa. Sem tempo e sem hora marcada, pode ser, mas a tempo de viver - ainda e sempre - esta santíssima amizade que temos deixado pendente.

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