04 julho 2005

Roubo o título

de um livro a um dos meus escritores preferidos
O que farei quando tudo arde?
e respiro o ar a custo, tacteando a direcção do fumo que me embacia as pálpebras e depois me desce aos olhos, abrindo e fechando as mãos onde a cinza vai caindo, minúsculas partículas trazidas pelo vento, cada uma revelando o que sobrou das árvores devoradas pelas chamas. Imagino uma paisagem que derrete ao calor laranja vivo e a exaustão dos homens que, em vão, tentam salvá-la.
O que farei quando tudo arde
num país que pouco mais tem para arder? Quantos mais fogos irão ludibriar a vida que se instala a pouco e pouco nos parques, nas florestas, nas serras, perto das casas e das gentes que se juntam quando ainda vão rasteiros e que, num abrir e fechar de olhos, as cercam em todas as frentes?
O que farei quando tudo arder
(será que um dia o país arde de vez?)
e não sobrar verde nos campos, nem nos parques, nem nas serras, nem no coração das gentes? Quando as copas de fuligem não puderem proteger-nos mais do sol? Quando o negrume das cinzas e do pó nos embaciar o céu a ponto de perdermos a referência do azul?

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