05 julho 2005

O toque

da tua pele gelada ainda provoca em mim lentos arrepios de ausência. Procuro-te e já não estás no lugar onde morámos e onde havia bunganvílias que trepavam muro acima e ao desafio das cores. O que me espanta, meu amor, é que ainda não murcharam. É quando passo por elas e as oiço a respirar e me parece a tua voz profunda e doce a subir aos meus ouvidos e ali fico. Rente ao muro e sem querer voltar a casa para não te encontrar ausente. O vento passa e segreda-me o outono que há-de vir um dia destes e o leve cair das folhas que, sem querer, trará com ele. Espero então que as cores se esbatam e que as flores caiam no chão, benignamente como quem se prepara para dormir um sono longo. Ainda é verão e eu aqui, recordando a pele de inverno do teu corpo e acorrendo ao arrepio que ele me provoca com as cores das buganvílias, diz lá se não estou demente? Amanhã, pela manhã, vou pedir ao jardineiro que as corte e leve a raíz de ti do jardim onde morámos e das minhas mãos também. Tenho coisas para fazer. Não posso ficar mais tempo rente ao muro da tua morte, esperando ano após ano e estação após estação que as saudades me venham murchar aos dedos nem que a tua pele retome a calidez da primavera.

1 comentário:

Anónimo disse...

sem complacência nem piedade, a prosa merece duros reparos, porque podia voar e não voa, porque podia ser música mas não é:

lentos arrepios de ausência
tua voz profunda e doce
O vento (...)segreda-me o outono que há-de vir

tudo lugares comuns, a empobrecer um texto onde se esperava
que a demência semeasse imagens mais poderosas, mais perturbantes... De terror? Talvez...

'Chamo aos gritos por ti - não me respondes
Bejo-te as mãos e o rosto - sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio...'

Bela imagem, não? 'Ou és outra, ou me enganas...' Palavras dementes
de tanto espanto, de tanta dor, dementes perante o que é impossível de aceitar! Mas já perdi tempo demais contigo, filha, não sei porquê, talvez mereças. Receito-te: duas páginas de Herberto Helder antes do deitar; meio canto da Odisseia ao acordar. Boas leituras.

Dr. Singelo